A Sociedade Brasileira de Sociologia/SBS comunica, com muito pesar, o falecimento da socióloga, pesquisadora e professora Myrian Sepúlveda dos Santos, e se junta nesse momento aos sentimentos de seus familiares. Nome singular nos estudos e pesquisas sobre a memória social e coletiva no Brasil. Foi precursora e fundadora de um campo de pesquisa, que até a década de 1990, era considerado incipiente em termos de pesquisa, publicação, grupos de trabalho, linhas de pesquisa em Programas de Pós-graduação em Ciências Sociais, em especial da Sociologia. O fato fundador, foi em 1993, com o artigo, intitulado “O pesadelo da amnésia coletiva: um estudo sobre os conceitos de memória, tradição e traços do passado”, publicado em um dos principais periódicos nacionais voltados para a área das Ciências Sociais: a Revista Brasileira de Ciências Sociais. Antes, porém, em 1992, Myrian Sepúlveda já havia publicado o artigo “Objeto, Memória e História” dando início a um percurso acadêmico, sólido, competente e de muito entusiasmo com a prática científica das Ciências Sociais.
Ao inaugurar e inovar os estudos sobre memória e sua interdisciplinaridade com a história, antropologia, política, psicologia social, museologia e outras, Myrian Sepúlveda, ao seu estilo benjaminiano, da crítica contrapelo, contribuiu significativamente para constituir e delimitar um espaço de estudos e pesquisas, no qual, a memória social e coletiva passaria de coadjuvante para tema central.
Myrian Sepúlveda dos Santos nasceu em 1955, graduou-se em História em 1983, pela Universidade Federal Fluminense. Em 1989, concluiu o seu mestrado em Sociologia no Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ), para em seguida, cursar o doutorado em Sociologia, na New School for Social Research, obtendo o título de doutora em 1993. Myrian Sepúlveda ainda cursou em 1996, uma especialização em Memory And Textuality, na The School Of Criticism And Theory, SCT, Estados Unidos. Intelectual competente, entusiasmada, com aguçado pensamento crítico, produziu ao longo dos mais de quarenta anos dedicados à pesquisa e à produção acadêmica, livros, artigos, grupos de estudos, seminários temáticos, tornando-a uma referência para os estudos da memória social e coletiva.
De professora visitante, em 1994, passando para professora adjunta em 1996, associada e titular, 2011 e 2018, respectivamente, Myrian Sepúlveda dos Santos foi uma intelectual orgânica do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UERJ (PPCIS-UERJ), orientadora de inúmeras dissertações e teses, como também de monografias e iniciação científica. Sepúlveda sempre esteve engajada com a pesquisa e a sua difusão. Como pesquisadora, esteve à frente de vários projetos, como por exemplo: o Ecomuseu da Ilha Grande, o Museu do Cárcere e o Museu Afrodigital Rio, todos desenvolvidos no âmbito do PPCIS-UERJ.
Por fim, dos inúmeros artigos, capítulos de livros, livros autorais e organizações, cabe destacar: A Escrita do Passado nos Museus Históricos. Rio de Janeiro: Garamond/Minc, Iphan, Demu, 2006; Os Porões da República: a barbárie nas prisões da Ilha Grande 1894-1945. Rio de Janeiro: Ed. Garamond/EDUERJ, 2009; Memória coletiva e Identidade Nacional. São Paulo: Annablume, 2013 e; Memória coletiva e justiça social. Rio de Janeiro: Garamond Editora, 2021J
Myrian Sepúlveda dos Santos deixará para a comunidade acadêmica e para Ciências Sociais brasileira um legado de muita dedicação e luta pela educação, pela formação científica e pela pesquisa. Sepúlveda foi além de exímia pesquisadora e escritora, uma intelectual voltada para as questões relacionadas às discriminações -raça, gênero e credo- como também às desigualdades sociais e a luta por direito à diferença e identidade. Como intelectual e mãe de duas filhas e um filho, Myrian Sepúlveda esteve pari passu as discussões sobre formas de inserção da mulher, das jovens pesquisadoras no âmbito acadêmico, como profissional. Professora exemplar, orientadora, pesquisadora e escritora corajosa até os seus últimos dias. Myrian Sepúlveda ficará para sempre na memória de cada um de seus leitores, pares acadêmicos, orientados e amigos, por sua profunda generosidade e espírito livre – comuns àqueles que não se cansam nunca em sonhar com uma sociedade mais justa e menos desigual. Saudade.
Rogério Souza
Professor e Pesquisador do Programa de Pós-graduação de Sociologia Política IUPERJ-UCAM