A Sociedade Brasileira de Sociologia manifesta profundo pesar pelo falecimento de Lucie Tanguy no dia 22 de fevereiro de 2024. Nascida na França e filha de operários agrícolas, Tanguy foi, segundo contou em entrevista, uma figura “estranha” ao círculo acadêmico parisiense dos anos de 1960, vista como uma espécie de “gênio” devido a sua capacidade intelectual e a sua ascensão a um universo elitizado. Em 1961, encontrou-se com Pierre Bourdieu na Argélia, onde participou de sua equipe de pesquisa durante a guerra de libertação nacional. Neste país, continuou sua graduação em letras na Universidade da Argélia. Quando retornou a Paris, ingressou no grupo de pesquisa sobre educação do Centre d’Études Sociologiques (CES), coordenado por Viviane Isambert-Jamati. Encorajada, candidatou-se e foi admitida no CNRS em 1967. Durante o doutorado, trabalhou com Pierre Naville, um dos mais importantes sociólogos do pós-guerra e organizador, ao lado de Georges Friedmann, do Tratado de sociologia do trabalho.
Lucie Tanguy foi professora emérita de sociologia da educação na Universidade de Paris V e de sociologia do trabalho na Universidade de Paris VII. Foi diretora de pesquisa emérita do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) e associada do laboratório Genre, Travail, Mobilités (GTM), vinculado ao Centre de Recherches Sociologiques et Politiques de Paris (Cresppa). Neste espaço, ao lado de Danièle Kergoat, Helena Hirata, Danièle Linhart e tantas outras, participou ativamente de acordos de pesquisa e cooperação científica entre França e Brasil, sempre disposta a orientar e receber estudantes e investigadores brasileiros.
Ao longo de sua carreira acadêmica, Tanguy dedicou-se a estudar diversos temas relacionados com a qualificação e a formação profissional do trabalhador. Por conta disso, abordou objetos de pesquisa como o ensino profissional, as relações entre educação e trabalho, a problemática da qualificação e competência, a formação permanente e o sindicalismo entre outros. Em seus últimos anos na ativa como pesquisadora e educadora, Tanguy iniciou um longo estudo sobre a história da sociologia do trabalho na França, o que a conduziu para a sócio-história e a sociologia do conhecimento.
A vasta obra de Lucie Tanguy é composta por artigos e livros, sendo os mais destacados: “Le capital, les travailleurs et l’école”(F. Maspero, 1976) ; “L’enseignement professionnel en France: des ouvriers aux techniciens”(PUF, 1991) ; “Histoire et sociologie de l’enseignement techniqe et professionnel : un siècle en perspective”(Révue Française de Pédagogique, 2000) ; “De l’éducation à la formation : quelles réformes ?”(Éducation et Sociétés, 2005) ; “Les instituts du travail : la formation sydincale à l’université de 1955 à nos jours”(PUR, 2006) ; “La sociologie du travail en France : enquête sur le travail des sociologues (1950-1990)”(La Découverte, 2011, traduzido para o português e publicado pela Edusp em 2017).
Lucie Tanguy deixou um legado intelectual importante às novas gerações, principalmente aqueles e aquelas que se dedicam aos estudos do trabalho e/ou da educação. Mas, acima de tudo, ficará na memória de muitos e muitas pela sua enorme gentileza e generosidade, sempre disposta a compartilhar e a produzir coletivamente o conhecimento.
Texto de Ricardo Colturato Festi
Professor Adjunto – Departamento de Sociologia
Universidade de Brasília (UnB)