Por José Szwako (Iesp-UERJ)
Monika Dowbor (Unisinos)
Matheus M. Pereira (UVV)
Neste post, os organizadores do dossiê Fronteiras dos Movimentos Sociais realizam um balanço dos temas e problemas tratados pelos artigos reunidos no v. 8, n. 20 de 2020, da Revista Brasileira de Sociologia.
Não têm sido poucos, nem simples, os desafios encarados pelos estudos de movimentos sociais no Brasil.
Se os governos tucanos e, sobretudo, petistas já tinham complexificado as agendas de pesquisa, demandando fôlego e imaginação para não reificar conceitos, relações e personagens, o cenário pós-2013 reatualizou as forças e formas de mobilização vigentes na sociedade brasileira, demandando, mais uma vez, fôlego e imaginação de parte de nossas análises.
O dossiê ora publicado pela Revista Brasileira de Sociologia, “Fronteiras dos Movimentos Sociais”, se inscreve em dupla chave. De um lado, dá continuidade e amplia o ritmo inovador que vem marcando a produção teórica sobre movimentos sociais no país – ritmo, aliás, visível em fóruns como os eventos da SBS e da Anpocs. O dossiê é, de outro lado, interpelado pelas forças e aporias que marcam as tramas sociopolíticas nas quais a própria noção de “novos personagens” tem seu sentido disputado.
A “novidade” hoje não é apenas referida ao progressismo e a atores de corte popular tal como foi um dia, à la Sader. Enquanto o termo “novo” pode contemporaneamente nomear até mesmo a partidos de feição neoliberal, pipocam no país movimentos de direita e de extrema direita apoiadores do atual presidente, e por ele apoiados, que reivindicam um imaginário “novo Brasil”. Assim, o primeiro eixo de discussões deste dossiê gira ao redor dos contramovimentos, dada a necessidade a um só tempo teórica e política de compreendê-los sempre de modo contextual e relacional.
Ainda analisando as novidades que emergem em oposição a movimentos de corte popular e progressista, esse dossiê reúne análises sobre processos de repressão política e suas transformações no Brasil contemporâneo. Se a repressão ao ativismo não é uma “novidade” no campo político, certamente as recentes transformações nos “repertórios da repressão” – como o uso ostensivo de tecnologias da informação e da comunicação para o controle social pelas forças policiais – têm impactado de maneiras decisivas as dinâmicas de organização e mobilização coletivas.
Mas não é somente como matriz fundante de discursos conservadores ou francamente antidemocráticos, nem apenas com as transformações nos processos repressivos, que o “novo” retorna na sociedade civil e nas agendas de pesquisa. São também as forças clivadas e interseccionadas por gênero, sexualidade e raça e, ainda, formas de mobilização estudantil que atualizam os sentidos dessa novidade. Os chamados coletivos constituem assim outro eixo de interesse deste dossiê. Reivindicando mais horizontalidade e mais democracia, eles herdam matrizes de outrora e simultaneamente lhes dão feição inovadora. Tal como as “marchas” e “redes” emergentes, eles podem então ser entendidos como repertórios organizacionais, isto é, como formas de articular identidades e de coordenar a ação, sendo sempre formas parcialmente inovadoras de mobilização. Porém, como argumentamos em nossa introdução, de pouco ou de nada adianta projetar sobre os “coletivos” os anseios e normatividades que tendem (reiteradamente) a marcar os estudos e estudiosos de movimentos sociais; estudos, vale notar, sempre em busca de um “sujeito emancipatório”, de uma “novidade” que poderá redimir e encarnar os valores imaculados de uma teoria nunca realizada.
No seu todo, centrado nas questões dos contramovimentos, da repressão e dos coletivos, nosso dossiê explora debates sobre fenômenos e abordagens que, há algum tempo, têm ganhado atenção de pesquisas de movimentos sociais, expandindo as fronteiras analítico-conceituais desse campo de estudos e, assim, desafiando-o. Seja como for, nosso espírito teórico é de acúmulo. Quer dizer, longe de pretendermos ver descontinuidades cognitivas, esperamos com este dossiê enriquecer nossa área de pesquisas ao contribuir para o processo de ampliação de suas fronteiras tanto temáticas como analíticas.