Por Cláudia de Fátima Ferreira Pessoa (UFPA/Núcleo de Pesquisa Ação Pública, Território e Ambiente) e
Carla Cilene Siqueira Moreira (UFPA/Núcleo de Pesquisa Ação Pública, Território e Ambiente).
Neste post trazemos um pouco mais da série dos premiados no Sociólogos do Futuro do 20º Congresso Brasileiro de Sociologia. Cláudia Pessoa e Carla Moreira discutem sobre a desigualdade ambiental a partir do acesso ao saneamento básico no território da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, localizada no litoral do estado do Pará.
Fonte da imagem: http://radio.ufpa.br/index.php/universidade-multicampi/plano-de-manejo-da-resex-caete-taperacu/
A motivação de analisar a desigualdade ambiental a partir da observação acerca do acesso ao saneamento básico em uma Unidade de Conservação na Amazônia, deve-se a experiências anteriores de pesquisa de cunho teórico sobre desigualdades, no âmbito do Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica, da Universidade Federal do Pará. O primeiro plano de trabalho teve início em agosto de 2018 e focalizou pesquisa bibliográfica sobre desigualdades sociais.
No ano de 2019 a temática ambiental foi inserida ao trabalho, articulando a categoria de desigualdade ambiental e Reservas Extrativistas, se alinhando ao Projeto de Pesquisa ao qual os planos de trabalho estavam inseridos. O projeto intitulado “Território, Participação e Ação Pública em Unidades de Conservação” estava sob a coordenação da Professora Tânia Guimarães Ribeiro, da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, da Universidade Federal do Pará.
A pesquisa de campo prevista para o primeiro semestre de 2020 teve de ser suspensa, devido às medidas de isolamento social para conter a pandemia de COVID-19. Dessa forma, a metodologia foi repensada. Para contemplar, mesmo parcialmente, o objetivo proposto, adotou-se a revisão bibliográfica de trabalhos sobre a região, levantamento e análise de dados quantitativos em relatórios sobre saneamento, atas de reuniões e o plano de manejo da Unidade de Conservação.
As Reservas Extrativistas compreendem um dos tipos de territórios considerados prioritários para conservação da biodiversidade e dos modos de vida tradicionais das populações residentes. Segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), as Reservas Extrativistas (RESEX) são áreas utilizadas por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Têm como objetivos básicos: proteger os meios de vida e a cultura dessas populações e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.
Esses objetivos têm seu alcance ameaçado quando não se garantem outros direitos básicos, através da execução de políticas públicas. Nesse sentido, entende-se que o saneamento básico é um direito fundamental que pode atuar na melhoria das condições de vulnerabilidade socioambiental ao qual as populações tradicionais podem estar expostas
Por serem territórios que legal e juridicamente estão inclinados ao uso equilibrado dos bens comuns da natureza por aqueles e aquelas que o habitam e bem como, pela sociedade de um modo geral, acredita-se que a abordagem acerca do saneamento básico, pode reunir elementos que permitam uma melhor observação da questão da desigualdade ambiental dentro de uma UC, por ter em seus princípios tanto o melhor ordenamento do ambiente como a possibilidade de agregar maior qualidade de vida à sociedade.
A Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, objeto de análise da pesquisa, está localizada no município de Bragança, litoral do estado do Pará, e possui uma área aproximada de 42.489017 hectares, cerca de 20% da área total do município. Foi decretada legalmente no dia 20 de maio de 2005. É constituída de 08 pólos, representações de base comunitária/extrativista no Conselho Deliberativo da Resex, e 67 comunidades.
Figura 01 – Localização da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu
Fonte: ICMbio, 2018
Por sua vez, o município de Bragança pertence à Mesorregião do Nordeste paraense e à Microrregião Bragantina. Compreende uma área de 2091,76 Km². De acordo com a Plataforma do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE Cidades), em 2019 a população estava estimada em 127.686 habitantes, com 92.406 residindo em área urbana e 35.280 na área rural.
O acesso ao saneamento no município é crítico em todos os serviços. De acordo com o Painel do Saneamento Brasil, do Instituto Trata Brasil (2018), 85,1% da população não possui acesso a água. 46,37% não acessa o serviço de manejo de resíduos sólidos, e na área rural do município esse déficit sobe para 81,63%, mas é sobre o esgoto sanitário que está o pior índice, 98,95% da população não tem o esgoto coletado (PARÁ, 2020a).
As dificuldades vivenciadas por esse município permitem a indagação sobre esse cenário na RESEX, alocada na sua parte rural. Ao considerar que, segundo a Lei nº11.445/2007, o saneamento básico é composto por quatro eixos, a saber, infraestrutura e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo de águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes urbanas.
Pode-se dizer que o município de Bragança conta com uma cobertura precária dos três primeiros eixos de serviços. E isso pôde ser identificado no Plano de Manejo da RESEX Marinha Caeté Taperaçu, que reúne queixas da população quanto aos serviços de saneamento básico, principalmente sobre o manejo de resíduos sólidos. As reivindicações referem-se ao acúmulo de lixo, e seu despejo por carros de coletas em locais impróprios. Nas Atas do Conselho Deliberativo de 2011, em que se discutia o abastecimento de água em comunidades da RESEX, há relatos de problemas no micro abastecimento proposto a duas comunidades, seguido da questão de resíduos gerados por catadores de caranguejos. As ações de educação ambiental também eram constantemente reivindicadas pelas comunidades da RESEX.
Além disso, a ausência de um sistema de canalização básica somado ao acúmulo de lixo, desmatamento, lançamento de esgoto tem comprometido a qualidade das águas superficiais e subterrâneas do Rio Caeté, bacia hidrográfica que banha a Resex. A privação de um serviço adequado de esgotamento sanitário e de água potável pode comprometer a reprodução material desses grupos devido à contaminação dos recursos naturais.
Figura 02 – Rio Caeté
Fonte: Acervo do Núcleo de Pesquisa Território, Participação e Ação Pública, 2019
Como o caso da RESEX Marinha Caeté-Taperaçu evidencia, a desigualdade ambiental se relaciona com o acesso e oferta dos serviços básicos, uma vez que em áreas de maior privação socioeconômica se concentram a falta de investimento em infraestrutura de saneamento, a ausência de políticas de controle dos depósitos de lixo tóxico, a moradia de risco, entre outros fatores, concorrendo para más condições ambientais de vida e trabalho (ACSELRAD, MELLO e BEZERRA, 2009).
Dessa forma, observa-se que a realidade do território da RESEX Caeté-Taperaçu é atravessada pela desigualdade ambiental, uma vez que o município ao qual pertence não é assistido de forma satisfatória por serviços de saneamento. E isso consequentemente impacta na Unidade de Conservação. Esse contexto, por sua vez, reflete um quadro de déficit mais amplo, que assola o estado e a região amazônica como um todo[1].
As consequências geradas pela precariedade do saneamento básico levam as populações a criarem estratégias independentes, que podem gerar riscos à saúde e comprometer sua relação com a natureza. São condições estruturais que se estendem a territórios protegidos, e comprometem o objetivo primário da conservação ambiental, e atingindo de modo desigual as populações.
No contexto das Reservas Extrativistas criadas nos territórios amazônicos, Freitas (2018) aponta que os principais programas políticos voltados a esses territórios, não consideraram prioritárias as políticas públicas essenciais como educação, saúde, saneamento básico e incentivo aos sistemas de produção, dentre outras. Os três entes federativos não estabeleceram um diálogo para efetivação de projetos e/ou programas que atendessem a comunidade, e que os elementos naturais se sobrepõem a elementos sociais, em níveis de importância.
A institucionalização da Resex reconheceu o direito das populações tradicionais de habitarem seus territórios, entretanto, se voltam a esses grupos os desafios de conviver com políticas ineficientes ou mesmo, com a ausência de políticas. Reforçamos que os elementos necessários à melhor qualidade de vida devem ser aprimorados, tanto na RESEX como no município de Bragança, a fim de amparar a conservação do ambiente e dos bens comuns.
Referências Bibliográficas
ACSELRAD, H.; MELLO, C. C. A.; BEZERRA, G. N.. O que é Justiça Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
FREITAS, Josimar da Silva. Conflitos entre sobrevivência familiar e conservação ambiental em Reservas Extrativistas da Amazônia. 2018. Tese (Doutorado em Ciências Socioambientais), Universidade Federal do Pará. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido. 2018
PARÁ. Plano de Saneamento Básico Integrado do Estado do Pará. Relatório do Rio Caeté (Volume XII). Belém. 2020a. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1LYKUDqdnWUUfODWAflipI6QmAJipKJ4i/view
PARÁ. Plano de Saneamento Básico Integrado do Estado do Pará. Relatório do Pará (Volume I). Belém. 2020b. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/17ppJx4VUyB3-sPVZO-bc1dKnvU_iQg_V/vie
[1] Por exemplo, o estado do Pará tem 54,54% de sua população sem abastecimento de água e 92,97% sem esgotamento sanitário. A carência piora na área rural, onde 99% da população não possui esgotamento sanitário e 79,35% estão sem abastecimento de água (PARÁ, 2020b).